quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Roncesvalles- Zubiri

18/04/09

Acordei animada. O dia estava lindo!


Segundo os ortopedistas você não deve carregar mais do que dez por cento do seu peso.
Minha mochila pesava 9 quilos, portanto já era uma sobrecarga para meus 59 quilos e minha coluna operada.

Não havia como retirar nada dali.
O equipamento era o básico do básico para os 40 dias.


Eu levava as botas, 2 calças, 2 camisetas de mangas curtas, 2 camisetas de mangas longas, 3 calcinhas, 2 "tops", 4 pares de meias finas, 4 pares de meias grossas e um par de joelheiras.

Pijama, ceroula, capa de chuva, casaco, cobertor metalizado de segurança, mini toalha de banho com alto poder de absorção, micro toalha de rosto, gorro, um par de luvas, curativos"compeed" especiais para as bolhas, um lenço de pescoço, tesoura, "trim", o canivete "xodó" do meu pai, cadeado e alfinetes de segurança para pendurar as roupas lavadas.

Chapéu, "papete" para calçar depois de caminhar, "havaianas" para tomar banho,  medicamentos e talco  para os pés e axilas em frasquinhos de filme, agulhas com linhas estéreis para tratar as inevitáveis bolhas, escova de dentes com fio dental acoplado e tampão de ouvido. 

Um "kit vaidade" em miniatura com perfume, filtro solar, lixa de unha, rímel, lápis, pinça, "gloss",  xampú, condicionador, duas faixas de cabelo e sabonete.

Havia ainda o saco de dormir, um micro travesseiro, a câmera fotográfica, a lanterna, um apito se eu me acidentasse, o cantil, a concha que é símbolo do peregrino, mapa reduzido, caneta e as folhas com dicas da Katia, em cujos versos eu faria minhas anotações de viagem.

Também levava 18 sachês de carbohidrato para me revigorar rapidamente quando a energia estivesse baixa.
E uma marmitinha com "pan y queso", banana, barrinhas de cereal e chocolate meio amargo brasileiros.


Vesti a mochila que mudou meu centro de equilíbrio imediatamente. Peguei os bastões.
Agora sim era para valer!


Concentrei-me...rezando em silêncio pedi proteção para Deus e para a  Mãe Natureza.
Que Eles guiassem meus passos e me fortalecessem quando eu fraquejasse...
EU NÃO ESTAVA ALI POR ACASO...e havia muita gente querida comigo...na verdade todos que passaram pela minha vida estavam ali.
Eu sentia isso com toda a força do meu coração.
Uma grande emoção tomou conta de mim...mas não chorei!


Em Roncesvalles ou Orreaga em basco, Rolando, o favorito e valente sobrinho do rei dos francos, Carlos Magno, perdeu a batalha para os mouros que professavam o Islamismo quando seu tio resolveu, em 778, invadir a Espanha.
Os bascos cristãos parecem ter se juntado aos muçulmanos para expulsar os francos.
E essa cruz marca o local onde isso aconteceu.
Eu pisava em solo antigo e histórico!


Deveria caminhar hoje 22 quilômetros em média. Esse trecho está localizado no País Basco, na província de Navarra, uma das regiões mais bonitas do caminho.


 As  placas de sinalização estavam escritas em espanhol e "eusquera", idioma basco.


Havia muitos carvalhos e pinheiros...cheiro de terra molhada...vento...esquilos... cachorros mansos e sossegados.


Podia ouvir meu coração batendo de tanto silêncio...muitas subidas e descidas...como na nossa própria vida.

Quando estava subindo queria que chegasse a descida e quando esta surgia...queria uma reta...a eterna insatisfação do ser humano!

Caminhava tranquila...me adaptando ao novo...muito concentrada mal ouvia os "saludos de buen camino" de quem passava apressadamente por mim.

Passei por Burguette, cidadezinha graciosa cujas pequenas casas tinham brasões nas portas e Viscarret com casas maiores do século XVIII.



Não vi alma viva pelas ruas.
Hora da "siesta"...tudo fechado...ainda bem que tinha aquele "pan y queso"de SJPP...duro mas comível.  


Caminhava e a cada hora e meia parava para descansar, tomar água e me alimentar.
Fazia frio...meus músculos doíam e eu exercitava o aprendizado e a paciência.


Cheguei a Zubiri onde me hospedei no albergue privado Zaldiko por 10  euros com oito pessoas no quarto...entre elas...dois irmãos brasileiros que faziam o caminho de bicicleta. 
Beo estava lá, uma canadense, uma australiana e outros que não me lembro.


Os sanitários eram minúsculos...parecidos a "bunkers" que apagavam a luz a cada 30 segundos.
Para acender era preciso balançar os braços para o alto...imagine a cena! 
A ducha era boa mas parava a cada 30 segundos também... portanto o banho era rápido.

Jantei com os brasileiros...sopa, peixe com batatas, pão, vinho e iogurte com mel...exercício de frugalidade e simplicidade no comer...depois cama! 

Dei-me conta então que havia esquecido a lanterna e o apito pendurados na cadeira em Roncesvalles...menos duas coisas para carregar...pensei.

Antes disso fui lavar minhas botas sujas e enlameadas nesse rio que  corria atrás do albergue.


A noite foi de "matar" com os oito ressonando, respirando juntos e eu...querendo ar puro.
Pulei cedo da cama...ou melhor...saí do saco de dormir e bati com a cabeça no beliche.

Fila no banheiro...havia outros peregrinos em outros quartos...todo mundo de cara amassada.
Tomei um chocolate de máquina no albergue...era cedo e estava tudo fechado...me despedi dos brasileiros e toca andar!

Meus primeiros quilômetros haviam sido cumpridos sem muitas sequelas... 

2 Comentários:

Anonymous tarcisionx@hotmail.com disse...

Relatos de um belo caminho.

13 de abril de 2013 às 09:02  
Blogger Leila Liz disse...

Caminho que também já foi seu, Tarcísio!

13 de abril de 2013 às 16:26  

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