terça-feira, 20 de abril de 2010

Astorga-Rabanal del Camino

09/05/09

Descansada e tranquila bati a porta da pensão às seis e meia...eles ainda dormiam...meu bilhetinho sobre a cama agradecia a hospedagem e o chá quente com mel.

Só eu na rua...silêncio absoluto...que delícia de manhã!


O amanhecer me renovava sempre...adeus febre...na véspera não achava que acordaria assim...mistérios do caminho.


Dia claro e limpo...fotografar não era tarefa difícil.


O caminho passava ao lado de Murias de Rechivaldo...não parei.



 O dia estava tão brilhante...tão vivo...energizante...nos preenchia.


Flores coloridas cresciam em meio às pedras...que esforço elas fariam para isso!
Como na vida...sobreviver entre os obstáculos do dia a dia era possível...a escola estava ali.


A natureza magicamente nos transformava...nos dávamos conta que sem movimento...nunca haveria transformação.

As Associações dos Amigos do Caminho tinham muito trabalho com as sinalizações...mexer nelas significava transtorno para quem vinha depois...havia muito respeito...sinais intactos...sempre.


Certificava-me a cada dia que não tinha sido louca em dar o primeiro passo e vir...sozinha...sentia uma felicidade  imensurável.


Santa Catalina de Somoza se aproximava...mãos esfoladas...estavam doloridas.


Reencontrei a bonequinha Yoko numa "tienda"...comprava água e sabonete...comunicava-se com desembaraço...agradecia e se inclinava à moda oriental...nos abraçamos felizes.


Mais dois companheiros de Roncesvalles...espanhóis...um deles sempre alegre...coincidentemente chamava-se Felix.


Sou mais amiga dos cães que  dos gatos...esses tinham olhos azulados...enrodilharam-se  nas minhas pernas...miaram...retribuí seu afago.


O terreno plano da Meseta acabava aqui...outra etapa de terreno irregular começava.


Na Iglesia Parroquial de El Ganso...só a cegonha nos recebia...ninguém na rua. 



O tronco do pinheiro foi minha mesa...minha cadeira...minha cama...as árvores me deram sombra e perfume...não era preciso mais nada...só as pessoas queridas da minha vida.


Mais subida...mais cruzes na cerca...pedras ponteagudas e empoeiradas...calor.


Disse adeus à Cordilheira Cantábrica...companheira distante...ela havia compartilhado bons e maus momentos...ouviu meus desabafos...conheceu meus medos e segredos...foi meu último contato com seu olhar branco e pacificador.


Um habitante gigante...olhava atentamente suas ovelhas...desviou seu olhar sereno para mim.


Rabanal del Camino...havia subido de 800 para 1156 metros...cansada esperei durante quase três horas que o Refúgio Gaucelmo reformado e mantido por voluntários ingleses abrisse. 

Fui a primeira...tinha direito de escolher minha cama...fiz isso...perto da porta...não queria incomodar ninguém com a tosse.


Era lindo...bem cuidado...chá das cinco...simples...deliciosamente britânico...preparado por duas voluntárias que já haviam feito o Caminho...as ervas haviam sido trazidas da Inglaterra...muitos anos atrás.


Fui dar um passeio...comprar comida, água e creme dental...''como seria viver em uma casa toda de pedras?"...o senhor talvez nunca tivesse saído da vila...talvez só soubesse do mundo pelos peregrinos...conversamos um pouco sentados nos bancos. 


Monges beneditinos nos visitaram...se disponibilizavam para conversar com peregrinos tristes...não era meu caso disse-me um da Baviera quando olhou para mim..."você é a imagem da alegria!". 


Na Iglesia românica de Santa Maria havia uma celebração para os peregrinos...estava frio...toda de pedras era muito gelada...não consegui ficar...fui jantar.



O entardecer no Caminho não entristecia...ao contrário...sinalizava que mais um ciclo se cumpria...e que devíamos viver um dia de cada vez...a natureza tão antiga...fazia isso.

Compreender e apreender esse ensinamento trazia muita paz e serenidade. 


Já deitada...nariz entupido...minha companheira de beliche...uma doçura dinamarquesa...perguntou-me se eu estava pronta para dormir...balancei a cabeça afirmativamente num acesso de tosse.

Identificou-se como reflexologista...desceu...massageou meus pés carinhosamente por quase uma hora...queria que eu tivesse uma boa noite de sono...relaxei tanto que dormi...sem tosse.
Só pude agradecê-la de manhã...não sabia como...ela pediu somente o meu sorriso...que exercício de doação e solidariedade!

6 Comentários:

Anonymous Tania disse...

Os comentários curtos e precisos sobre cada foto fazem com que o blog seja leve, uma delícia de ler.

22 de abril de 2010 às 23:16  
Blogger Leila Liz disse...

Olá Tania relatar a viagem tem sido um delicioso recordar...os pensamentos vêem e a escrita flui com eles.
Obrigada pela presença.
Desejo que "viajar" comigo esteja sendo agradável!

23 de abril de 2010 às 15:05  
Anonymous Anônimo disse...

Leila, viajar com você e recordar do Caminho está sendo maravilhoso. Em maio/2003, eu fiz exatamente os passos que você nos relata. Obrigada! Nilza, São José do Rio Preto-SP.

11 de maio de 2013 às 13:36  
Blogger Leila Liz disse...

Quanto carinho, Nilza!
Faz então 13 anos que você foi...fico feliz que está podendo rever o Camino de Santiago através do blog...obrigada...e continue...já já acaba.
Beijo.

11 de maio de 2013 às 15:38  
Anonymous Anônimo disse...

Mais uma vez, fiquei encantado com sua narrativa, parabens. Leila, voce pode e deve escrever um livro de poesias

11 de maio de 2013 às 17:28  
Blogger Leila Liz disse...

Caro Anônimo...o Caminho fez isso comigo...mexeu lá nas minhas entranhas...o que escrevi foi o que senti lá...obrigada pelo carinho.

11 de maio de 2013 às 17:48  

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