terça-feira, 13 de abril de 2010

Virgen del Camino-Hospital de Órbigo

07/05/09

Adoeci...gripe forte...garganta queimando...encostei na parede do túnel...vou ou não?


Andei no sol...sentia saudade do verde e da sombra da Navarra...tudo fechado...não encontrei ninguém.


Só um burro...bem mais inteligente que eu...descansava à sombra em Villadangos del Paramo...olhava-me curioso.


Era cedo ainda...as ovelhas confinadas esperavam o pastor tardio.


Molhei o rosto na fonte...tinha um sachê de sal no bolso...misturei com água...gargarejei...espirrei própolis na garganta.


A paisagem era linda...azul...marrom...verde...cinza.


Continuava linda...exuberante...colorida...clara...perfumada.


Maternal...nos envolvia com braços fortes...leves...eram abraços inesquecíveis...includentes.


Um longo trecho entre pedras pontudas e florezinhas amarelas...encantadoras.


Um lindo e gigante mosaico de pedrinhas coloridas sinalizava a área de descanso de Villar de Mazarife...os símbolos do caminho estavam ali.


Uma confraria simpática e "mugidora" se fazia presente no caminho.


Debaixo da única árvore me joguei...um trator passou...quinze minutos sem as botas...pés úmidos e inchados.
Secava os pés naturalmente...antes de calçar meias secas...técnica perfeita para que as bolhas se mantivessem pequenas.


Fiquei ali deitada...acordei...olhei para o alto...lindo o sol me espiando...velava meu cochilo.


Atravessar um trecho que queimava não foi fácil...sentia-me mal...quase sufocava com o calor e a fumaça.  


No pequeno "pueblo" tudo fechando..."siesta"...estava faminta...precisei implorar para que me preparassem dois " huevos fritos".


Eles tinham pressa de descansar...depois de comer rápido...o "luxo" do banheiro...imagine o estabelecimento.


Saciada a fome continuei...bem ao lado da estrada de ferro e dos vinhedos...o sol judiava. 



Olhei para trás...a fumaça ainda estava lá.


Hospital de Órbigo...finalmente...e a ponte medieval El Paso Honroso com 204 metros e 20 arcos.


Um famoso torneio foi disputado sobre ela em 1434...pelo amor de uma dama...quem perdesse ou não quisesse lutar tinha que atravessar o rio...hoje seco...a nado...daí vinha seu nome.


O albergue privado San Miguel era uma graça...colorido...perfumado de incenso.


Reencontrei  Mary e Mirien...Peter estava com elas...brindamos à etapa de quase 30 quilômetros num belo e simples restaurante.


O jantar foi regado à vinho e sopa de frutos do mar.

O engenheiro tcheco  se encantava com a engenharia do Caminho de Santiago...rústica...funcional...perfeita...antiga.

As enfermeiras irlandesas contaram histórias incríveis de seus trabalhos  na Arábia Saudita e no massacre em Uganda.


Fui dormir...joguei a câmera e a bolsa com dinheiro dentro do saco de dormir...lá nos pés...cobri a cabeça para não incomodar meus companheiros de quarto com a tosse.

Havia outro como eu...de manhã o francês colocou a mão nos meus ombros...deu-me pastilhas sorrindo e gesticulando...era ele o outro com tosse. 


Nesse albergue os únicos três banheiros químicos eram de fibra de vidro...limpos mas sem nenhum conforto...como de "shows"...um espetáculo à parte a fila de manhã para fazermos nossa higiene matinal.


A vida é um processo desordenado...rápido...cheio de imprevistos.

A única certeza era que tudo poderia mudar de repente...e isso aconteceu na minha frente.


O hospitaleiro Manoel...nascido espanhol...baiano de coração...encantado pelo Brasil...não falava inglês.

Chamou-me para ver o que acontecia com um austríaco que chorava muito.


Na sala decorada com quadros pintados por peregrinos sem dinheiro que pagavam a hospedagem com sua arte...consolamos o vienense.


Problemas surgem na vida...inevitavelmente...ali não era diferente.

Seu irmão gêmeo de 61 anos acabara de morrer...ficamos todos pensativos...poderia acontecer com qualquer um de nós.

Conversei com ele enquanto íamos procurar transporte...na Europa as distâncias poderiam ser vencidas de trem ou ônibus...ele não falava espanhol...eu seria sua intérprete.


Gunter me contava do sonho de fazer o Caminho...o irmão partilhava disso e ele estava tão perto...

Era inútil preocupar-se...impossível tentar controlar todos os detalhes.

Viver se aprendia vivendo...caindo...levantando...recomeçando.

Filosofando sobre tudo isso decidiu que homenagearia a memória do irmão oferecendo-lhe a etapa final do caminho...outra lição da vida...outra lição de vida!

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

lindissima e rica descricao, parabens mais uma vez, Leila.

9 de maio de 2013 às 16:32  
Blogger Leila Liz disse...

Estou contente pela visita quase diária aqui Anônimo.
Meu coração ficou muito "mexido" no Caminho...a sensibilidade aflorava mais e mais a cada dia.
Com toda aquele beleza...era só por no papel.
Abraço!

9 de maio de 2013 às 17:07  

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