Estella-Los Arcos
O dia estava bonito...névoa...nem sol demais...nem chuva...perfeito para mais 22 quilômetros!
Passei pelo Monastério de Irache aos pés do Montejurra fundado em 958.
Foi o primeiro hospital de peregrinos da Navarra e abrigou o exército de Napoleão servindo de hospital de guerra depois de serem expulsos os monges.
Há projetos de transformá-lo em um Parador Nacional.
Estava fechado...isso foi um problema ao longo do caminho.
Nem sempre quando passávamos era possível visitar os locais históricos...ponto negativo!
O corpo já estava acostumado e já sabia o que teria que passar...tive que ajustar a mochila...havia perdido peso...ela dançava na minha cintura...e escorregava nos ombros.
Cheguei à uma vinícola fundada em 1819...Bodegas Irache...um local muito conhecido no caminho.
Desde o século XII havia produção de vinho nesse local...e o vinho era oferecido aos peregrinos...para revigorar e aquecer.
Para manter essa tradição a vinícola adaptou duas torneiras em duas conchas...uma para água e outra para vinho...e você podia beber à vontade...só não podia levar sem comprar!
Mas era muito cedo e ainda não estava funcionando..."talvez na próxima"...deveria ser uma delícia tomar vinho fazendo conchinha com a mão...
Ou eles tomariam o vinho em canecas de madeira...de louça...de metal?
Ficariam "borrachos", pelo caminho, os peregrinos antigos?
Se as pessoas quiserem ver os peregrinos é só acessar o site http://www.irache.com/ que há uma " web cam" funcionando das 9 às 19 horas.
A rotina se instalava...já nos conhecíamos um pouco mais.
Alguns eram muito sérios...ensimesmados...outros bem falantes.
Encontrei Beo, alemão de Munique, lá da pensão em SJPP...sentado...com dor...parecia tendinite na perna.
Já havia feito caminhadas no Nepal mas achava o caminho difícil...sua mochila era enorme.
Já havia feito caminhadas no Nepal mas achava o caminho difícil...sua mochila era enorme.
Tinha cãimbras...ajudei-o no alongamento.
Ofereci relaxante muscular..."Depois quando chegar a Los Arcos" .
"Mas veja até onde temos que ir daqui para frente"...mostrei o morro à nossa frente...Villamayor de Monjardin.
"Seu ritmo é ótimo...profissional...treinou muito? O que faz sozinha aqui?"...fiquei toda orgulhosa.
Meu treino havia sido diário mas caminhava apenas 10 quilômetros por dia...com as botas e com a mochila.
Veria lá na Espanha como seria meu desempenho quando tivesse que caminhar mais que isso.
Quando passei o cãozinho fitou-me com esse olhar indagativo por longo tempo.
Segurava esse papel entre as patinhas...algum peregrino havia perdido.
Como ventava muito todos nós carregávamos papel higiênico para as constantes corizas e "otras cositas más".
Caminhamos juntos, Beo e eu, um esperando o outro até que ele se adiantou e fez essa foto...minhas mãos começaram a formigar...não havia treinado com os bastões...a antiga "LER" retornava...e a pele das mãos estava vermelha e sensível.
Um pouco mais de sobe e desce e mais paradinhas deliciosas à sombra dos pinheiros.
A vegetação continuava maravilhosa...já começava a me sentir parte daquele organismo gigante tão vivo.
Havia um perfume fresco de mato molhado no ar...cheiro de sauna...grilos....cigarras...vento.
Cheguei a Los Arcos e fui até o final da vila...refúgio Alberdi.
As pessoas normalmente ficavam no primeiro refúgio da cidade.
Indo até o final dos "pueblos" teoricamente você teria mais chance de privacidade no quarto.
Consegui dormir em cama normal...sem ninguém acima de mim.
Que luxo não bater a cabeça logo cedo!
Lavei minhas roupas em água gelada...as mãos doíam muito...e fui tomar chocolate quente.
Bem no meio da "plaza central" de Los Arcos havia essa linda igreja paroquial barroca...fui rezar e agradecer por tudo e por todos.
Encontrei a francesa Carmen...delicadíssima convidou-me para sentar com ela...diria depois..."bon chemin Leilá!".
E os seus amigos italianos Arnolfo, Paulo e Massimo..."tutti bonna gente!"...chamavam-me de Leila "fiore"...por causa da flor amarela na minha mochila.
Jantei com Beo que mal andava e dei-lhe o relaxante muscular mais um emplastro para as dores.
Nos despedimos...no caminho para o refúgio havia um lago com muitos patinhos...lembrei do meu neto.
Fiz minhas anotações e fui dormir cedo...não havia ainda escurecido.
Calculei as distâncias percorridas e muito feliz descobri que havia caminhado meus primeiros mais de 100 quilômetros!