terça-feira, 23 de março de 2010

Itero de La Vega-Carrion de Los Condes

02/05/09

O perfil do terreno hoje estava "light"...eu havia dormido muito bem...levantei bem cedo...decidi que iria caminhar bastante...seria tudo em linha reta...sem subidas e descidas...no final dessa filmagem escorreguei...quase caí. 



Já me sentia uma andarilha profissional...32 quilômetros sem muitas alterações de relevo...monotonia total...Santiago ainda estava longe.


O sol estava forte..."caliente e amigo"...seria um grande companheiro hoje.


Outra pequena filmagem...os sons do Caminho de Santiago merecem comentários...apesar de estar sozinha nunca sentia solidão...impossível com toda aquela sinfonia da natureza.


Os passarinhos me davam bom dia com muito ânimo e muita "cantoria"...aquela sala de concertos ao ar livre foi inesquecível...como ficar triste ali?


Esse pequeno peregrino fazia  exercícios isométricos logo cedo...com o vento balançando seu corpinho ele fazia muita força para se equilibrar...e cantava.
Como eu poderia reclamar dos escorregões?


O vento estava abafado...balançava meu corpo...o chapéu não parava na cabeça...apertei o seu cordão ao redor do pescoço...com o calor e suor o atrito deixou marcas.


A Iglesia de Nuestra Señora de Assunción em Boadilla del Camino estava fechada...o único habitante que eu encontrei...quando viu que eu ia fotografar...tímido...virou as costas.


Que delícia passar pelos esguichos de irrigação e receber os respingos!

Alegre e curiosa ficava esperando o próximo giro para me refrescar.


Um longo trecho beirando o Canal de Castilla...espetacular obra de engenharia hidráulica do século XVIII... responsável por facilitar o transporte de mercadorias  e irrigar região tão árida.

Após surgirem as estradas de ferro...tornou-se obsoleto...ainda assim...lindo!


Meus pés começaram a doer...sentia alguns pontos ardendo...parei.


Eu havia feito todo o ritual matinal...pomada hidratante entre os dedos..."compeed" rodeando os artelhos...emplastro e pomada antiinflamatória nos joelhos.

Não daria para continuar daquele jeito...estava mancando...vi a área de descanso na sombra...foi providencial!


Usava meias finas sem costura primeiro...sobre elas as meias grossas de lã.

Estava dando tudo certo assim...só havia tido uma bolha no dedinho desde o princípio.

Descalcei as botas...quatro pontos vermelhos como as papoulas...ardiam bastante...a pele embora grossa estava brilhante.

Ganhei quatro lindas "ampollas"...minha pomada de "calêndula" estava com Juan.

Descobri o que havia acontecido...meus pés também haviam emagrecido...só havia ajustado a mochila...esqueci de apertar mais os cadarços das botas...o preço foi alto.


Entrei em Fromista mancando...ví o anúncio de terapias...animei-me.
Estava "cierrado"...hora da "siesta"...pouco curti dessa vila.


Caminhei um pouco com um japonês "sushiman" de Osaka... ele fazia comidas incríveis só para si...tinha todo um ritual com as facas e sua panelinha...fez a foto em mais esse marco peregrino.


Esse trecho ao lado da estrada foi longo...enfadonho...cansativo...o asfalto liberava mais calor ainda.

Além dos ciclistas nenhum tráfego...a estrada era bem estreita.



Passei pelo Ayuntamento de Villalcazar de Sirga...da estrada deu para ver a Iglesia de Nuestra Señora La Blanca...antigo estabelecimento da Ordem Templária.



Olhei a placa...Carrion de Los Condes estava perto...chegaria lá em uma hora e meia...só mais seis quilômetros...sem as bolhas teria sido tranquilo...mas não foi "bico".

Já até Santiago...era bom nem pensar no final...viveria muitas situações ainda. 



Quanto vento quente...quanta dor...a Cordilheira Cantábrica ainda estava ali...impunha respeito...silenciosa e companheira.


Em Carrion de Los Condes cheguei ao Monastério de Santa Clara...toquei a sineta...haviam me recomendado o Convento do século XIII em Itero de La Vega se não quisesse ficar em albergue.


Elas tinham opção de hospedagem privada e coletiva...exausta e de tanto pegar sol sentia calafrios...só havia vaga individual...não achei ruim.

Havia muita gente tossindo...preocupava-me a gripe suína.


Quem me atendeu foi um funcionário de batina...paguei adiantado...só vi uma das irmãs Clarissas...rápida e silenciosa desapareceu antes que eu pudesse perguntar sobre seus famosos doces ou  seu tão falado museu.

Ele me deu um chaveiro com três chaves...da porta do convento...do corredor...do meu quarto.

Mostrou-me o chuveiro e saiu rapidamente..."Deixe as chaves sobre a cama amanhã e bata todas as portas...elas se fecham sozinhas".

Total silêncio..."quem diria que um dia teria chaves de um convento em minhas mãos!".


Olhei pela janela quadriculada depois do banho reconfortante...fui dar um passeio e jantar...escurecia bem tarde...era primavera.


Conheci muitas pessoas simpáticas  e agradáveis de todas as nacinalidades...mas havia três alemães que sempre queriam ser os primeiros em tudo...a chegar...a comer...a comprar...a pagar.

Armaram uma bela confusão nesse restaurante quando me viram ocupar uma mesa sozinha...convidei-os...recusaram.

Queriam privacidade...penso que não estavam preparados para a partilha...o dono simpático se desculpou...mas ficou muito triste.


De volta para o convento depois de fazer compras passei pela Iglesia de Santa Maria del Camino do século XI...entrei...lembrei-me dos "tres hermanos"  que me ajudaram e chorei...o Caminho já estava deixando suas marcas encantadas em mim.

 

Pronta para descansar imaginava se teria Santa Clara dormido  no quarto ao lado...lembrei-me também da lenda que dizia que São Francisco de Assis havia pernoitado aqui em sua peregrinação a Santiago.


Com esses pensamentos espreguicei-me demoradamente...cobri a cabeça...fazia muito frio ali...protegida pelos santos e pelas três chaves dormi como um anjo!